Mesmo diante de sucessivos anúncios, a redução das taxas de juro para dezenas de linhas de crédito ainda não chegou para boa parte dos correntistas de bancos públicos e privados. Exigências de aplicações, movimentações e renda, além da adesão anterior a pacotes de serviços, barram o acesso do consumidor ao dinheiro mais barato.
A fisioterapeuta Ludmila Ferreira, de 30 anos, sente esse drama no bolso. Desde abril, quando os bancos começaram a anunciar a redução dos juros, ela tenta se beneficiar das novas taxas que incidem sobre o financiamento de contratos de imóvel, mas sem êxito. “A taxa hoje está bem menor que antes. E quero ter direito a essa taxa”, diz Ludmila, que paga juro de 8% ao ano, enquanto no mercado essa taxa pode chegar a 1% .
Do outro lado da cidade, a microempresária Raquel Cunha, de 44 anos, também tenta reduzir a taxa de 8,77% que incide sobre o limite de seu cheque especial. Em seu banco, essa taxa pode chegar a 1,38%. “Recorri à minha agência. Disseram que teria de aderir a um novo plano de tarifas, em que a manutenção da minha conta ficaria R$ 6,00 mais alta. Fiz isso. Mas nada dos juros caírem. Vou recorrer à Ouvidoria e depois ao Procon”, diz.
As histórias de Ludmila e Raquel ilustram bem o cenário de que o corte das taxas não é voltado para todos os usuários do sistema bancário brasileiro. Embora não existam nos órgãos de defesa do consumidor de Goiás reclamações formais de correntistas em adimplência que tentam se beneficiar das novas taxas, analistas afirmam que o processo é recorrente.
Isso porque os bancos promovem a redução da taxa de juros conforme o perfil do cliente. Via de regra, as instituições trabalham com uma taxa máxima e uma mínima. A definição de qual taxa vai ser aplicada para cada correntista varia conforme a renda, a fidelidade do cliente, a movimentação de sua conta e o uso de serviços bancários (veja quadro).
Dessa forma, as taxas mínimas não valem para todos. Na prática, os bancos não estão reduzindo suas taxas de juros, afirma o professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), Alexandre Chaia. “Na verdade, os bancos estão colocando precondições para o cliente ter uma taxa mais baixa. Isso tem de ficar claro para todos”, diz.
Segundo ele, os bancos estão concedendo limites mínimos de juros apenas para seus clientes especiais. “Nem mesmo os bancos públicos reduziram todas suas taxas de juros linearmente para todo mundo. Reduziu para quem já está lá e para quem vai ser aprovado nas linhas de créditos deles”, explica o professor.
O economista Marcos Paulo Romero explica que os clientes que oferecem menos riscos são os mais beneficiados. “Quando se vê que o banco tal baixou a taxa de juros para 0,5% isso não significa que todos terão acesso a esta nova taxa. Apenas aqueles que têm movimentação, consomem serviços, têm renda, que oferecem menos risco de calote conforme seu histórico, terão acesso a essa taxa. Esta é uma lei de mercado”, diz.
Um executivo de um banco privado, em Goiânia, que pede para não ter o nome revelado, resume esta relação. “No mercado comum, quem compra 2 mil unidades de um produto, geralmente, tem mais benefícios do que quem compra apenas uma. Essa mesma regra vale para os juros do banco. Quem tem relação mais próxima, tem juros menores”, revela.
Outro lado
Os bancos, entretanto, garantem que todas as taxas de suas principais linhas de crédito foram reduzidas para todos, desde quando o governo da presidente Dilma Rousseff começou a pressionar pela redução do spread bancário (que é a diferença entre a taxa de captação dos bancos, ou seja, quanto pagam pelos recursos, e o valor cobrado de seu cliente na forma de taxa de juros), em abril deste ano.
O gerente Regional de Negócio de Pessoa Física da Caixa Econômica Federal (CEF), Marcos Donizete, afirma que as taxas de juros para mais de 20 linhas de crédito caíram para todos. Correntistas ou não, todos foram beneficiados. Ele cita, por exemplo, que a taxa do cheque especial caiu 59% (de 8,25% foi reduzida para 4,27%). “Se o consumidor recebe salário na Caixa, a redução é ainda maior, chega a 67%”, ressalta.
Donizete, porém, confirma que a área técnica do banco realiza diversos levantamentos para definir a taxa de cada cliente, com base na inadimplência. “Esse é um fator determinante para se identificar o preço do dinheiro”, frisa.
Segundo ele, a renda do cliente é outro fator para se fixar a taxa de juros . Além deste item, os serviços consumidos são importantes. “Ter a conta corrente, cheque, cartão de crédito e receber o salário, bem como usufruir de descontos na taxa de juros podem fazer com que o financiamento imobiliário chegue a 1%.”
O Itaú Unibanco também leva em conta os mesmos critérios. Por meio de uma nota, o banco disse que reduziu taxas do cheque especial e do crédito pessoal. Clientes que recebem seu salário pelo banco, pagam taxa do crediário entre 1,95% a 4,89% mensais.
Segundo o banco, no cheque especial (LIS), a taxa máxima é de 4,89% ao mês. Para os demais clientes, a taxa máxima do cheque especial é de 8,85% ao mês e, do crediário pessoal, de 6,66%.
“Esse movimento reforça o comprometimento com o desenvolvimento do País, focado no uso consciente do crédito, em contribuirmos com a sociedade na gestão cada vez mais saudável dos recursos financeiros”, afirma Luiz Veloso, diretor de Produtos Pessoa Física do Itaú Unibanco, por meio de nota.
Procurado pelo reportagem, o Banco do Brasil (BB) não respondeu ao questionamento feitos pelo POPULAR. Até o fechamento desta reportagem, a assessoria da instituição não havia retornado as ligações e e-mails enviados.
Fonte: O Popular