Novas regras vão exigir cumprimento de formalidades, que vão pesar no bolso do empregador
Não bastassem o aumento de custo e as muitas dúvidas sobre as novas regras do trabalho doméstico, os empregadores empenhados em cumprir a mudança na legislação vão se ver às voltas com uma parafernália burocrática que envolve elaboração de contratos, controle de folha de ponto, cálculo de horas de extras e de adicional noturno e recolhimento de FGTS.
“Essa lei ainda vai gerar muita confusão, porque não é suficiente as pessoas pagarem o que é devido, precisam se preocupar em não recolher errado”, diz Luciano Viveiros, advogado com mais de 30 anos de experiência na área trabalhista e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Para o advogado, a melhor alternativa para quem for contratar uma empregada agora é fazer um contrato de experiência, que tem duração máxima de 90 dias e pode ser transformado depois num contrato por prazo indeterminado. Se decidir dispensar a empregada nesse período, não é necessário pagar aviso-prévio, nem a multa de 40% sobre o FGTS. Para quem já tem empregada, o acordo sobre jornada e salário podem ser firmados em contrato ou anotados na carteira.
Um pouco mais complicado será o cálculo de remuneração variável, devida quando as empregadas trabalharem além das 44 horas semanais e tiverem que receber horas extras. Ou, então, quando trabalharem entre 22 horas e 5 horas, garantindo adicional noturno. “Nos processos judiciais, esses cálculos são feitos por um perito”, lembra.
Formas
Mas, como o direito às horas extras começará a valer a partir desta semana, quando a PEC das domésticas for promulgada, quem precisar fazer o cálculo deve dividir o salário habitual de sua empregada por 220 horas (referência legal para a jornada mensal), para descobrir o valor de cada hora trabalhada.
A partir deste valor, é preciso adicionar 50% para chegar ao custo de cada hora extra. Simulação feita por Mário Avelino, do Instituto Doméstica Legal, mostra que, no caso de uma hora extra diária, o custo com o salário da doméstica subirá R$ 140,65 para quem paga o piso regional do Estado do Rio de R$ 802,53.
É preciso lembrar que as quatro horas do sábado podem ser compensadas ao longo da semana. A empregada que cumpre uma jornada de 7h às 19h, com duas horas de almoço, fará apenas uma hora extra por dia se, por exemplo, sair às 18h na sexta-feira.
A legislação prevê jornada máxima de 10 horas por dia, incluindo horas extras ou compensações. “O empregador vai precisar de contador ou montar um departamento pessoal na sua casa para fazer todos esses cálculos”, diz.
Gastos extras
O presidente da Federação Nacional das Empresas de Serviços Contábeis Valdir Pietrobon, afirma que é preciso esperar a regulamentação da lei para ver os detalhes, mas prevê que a burocracia em si vai gerar gastos extras.
“Simples não é. No caso das horas extras, se uma pessoa mais empenhada em aprender procurar um contador e receber uma explicação para fazer a conta pela primeira vez, conseguirá fazer as dos meses seguintes. Agora, quando entrar o FGTS, as pessoas vão precisar de ajuda. Isso terá um custo, talvez R$ 40, R$ 50 por mês”, ressalta.
O contador José Alves, da Econt Contabilidade, explica que será preciso informar ao Ministério do Trabalho a cada admissão e demissão de doméstico através do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Além disso, será preciso preencher a Rais e observar a convenção coletiva em relação a carga horária e horas extras.
O contador Amauri Mendonça montou um pacote completo de serviços para empregadores, que inclui desde a assinatura da carteira de trabalho, elaboração de contratos, cálculo de horas extras, férias, INSS até a rescisão de contrato. O pacote custa R$ 169,50 ao mês.
Mais perto do padrão europeu
Paris - A ampliação dos direitos trabalhistas dos empregados domésticos, aprovada pelo Senado na semana passada, deve aproximar o Brasil da realidade dos países mais desenvolvidos da Europa.
Ao estabelecer o limite de tempo de trabalho semanal, o pagamento por horas extras, a remuneração por jornada noturna e a possibilidade de solicitar o seguro-desemprego, entre outros, o País se iguala em vários aspectos a nações como a França - onde ter um funcionário é um luxo restrito a famílias de classe alta.
O tema dos “particulares-empregadores” na Europa tem recebido atenção especial dos governos nos últimos 20 anos. Isso porque, com o envelhecimento da população, a demanda por “auxílio à pessoa” também se tornou crescente. Dados recentes indicam que 2,6 milhões de trabalhadores vivem de empregos domésticos na UE. Desses, 66% se concentram em três países: Espanha, Itália e França.
Em Paris, apenas famílias de classe alta têm funcionários permanentes, que trabalham durante todo o dia. O mais comum são pequenas jornadas: faxinas de duas horas por semana, ou babás que permanecem três ou quatro horas diárias na função.
O salário médio dos 65 mil trabalhadores domésticos com jornadas de no mínimo 35 horas na França é de 19,9 mil euros brutos por ano, ou R$ 51,6 mil. Por mês, o salário médio de homens fica em 1,38 mil euros líquidos, ou R$ 3,5 mil no Brasil. Uma mulher ganha em média 7% menos: 1,28 mil euros, ou R$ 3,32 mil. A remuneração é próxima do salário mínimo, que na França é de 1,12 mil euros líquido por mês, ou R$ 2,9 mil.
O governo preferiu deixar a cargo dos empregadores e dos empregados negociarem as condições de engajamento. Na França, há duas modalidades, que também valem para todas as outras profissões: o Contrato de Duração Indeterminada (CDI) e o Contrato de Duração Determinada (CDD).
Consumidores reclamam da desinformação de órgãos públicos
Os empregadores de todo País ainda estão em dúvida sobre como se portar diante das novas exigências e ainda reclamam da desinformação dos órgãos públicos na orientação das regras.
Em Goiás, a dona de casa Dalva de Carvalho relatou ao POPULAR que já tentou recolher o FGTS antes da PEC para beneficiar sua empregada e não conseguiu por causa da burocracia.
“Procurei a Caixa e me mandaram até para a Receita Federal. Ninguém sabia informar nada direito.” Por causa disso, Dalva acabou desistindo. Hoje, ela não sabe como conseguirá fazer o recolhimento.
A professora Milena Raggi tem medo de ficar sem sua ajudante por não conseguir pagar todos os novos direitos previstos na PEC.
Ela acredita que terá de pedir ajuda a um contador para fazer todos os cálculos, o que implicará em mais custos, além dos 8% de FGTS. “Não que eu não concorde em pagar, mas isso é muito complicado para quem não sabe”, diz.
Fonte: Jornal O Popular