Com os alimentos pesando mais no orçamento, muita gente já está parcelando as compras de supermercado. Uso do cartão de crédito é crescente. Economista alerta para o risco de descontrole do orçamento familiar
A auxiliar educativa Leidiane Oliveira sempre usa o cartão de crédito para pagar as compras de supermercado. Ela confessa que, às vezes, não consegue pagar toda fatura e precisa entrar no crédito rotativo do cartão. “Por isso, uso um cartão com juros mais baixos.” Além disso, Leidiane conta que também já precisou parcelar as compras, depois que os preços dos alimentos subiram muito e as compras de supermercado ficaram bem mais caras. “O orçamento ficou mais apertado e a saída foi parcelar as compras em duas vezes”, lembra.
Consumidores que usam o crédito para comprar alimentos ou até parcelam as compras são cada vez mais comuns no Brasil. Uma pesquisa feita pela Federação do Comércio do Rio de Janeiro (Fecomércio-RJ) em parceria com a Ipsos, em todo País, incluindo Goiânia, mostra que 44% dos consumidores pagavam algum tipo de parcelamento no primeiro trimestre deste ano.
Nesse período, 11% dos consumidores parcelaram o pagamento das compras de alimentos. No trimestre anterior, eles somavam 9% (veja quadro). O levantamento mostra que o cartão de crédito também vem ganhando força: passou de 32% no primeiro trimestre de 2012 para 39% no mesmo período deste ano.
Inflação
A pesquisa ouve mensalmente mil brasileiros de 70 cidades, incluindo nove regiões metropolitanas. O economista da Fecomércio-RJ, Christian Travassos, acredita que o comportamento do brasileiro foi influenciado pela inflação mais forte nos últimos meses, assim como o consumo acumulado de itens dependentes do crédito. Com isso, segundo ele, o consumidor optou por organizar o orçamento e elencar prioridades com base em suas necessidades e aproveitando incentivos como a redução do IPI para comprar.
Muitas vezes os parcelamentos são uma forma de manutenção do poder aquisitivo do brasileiro, principalmente em tempos de inflação alta. A encarregada administrativa do Leve Supermercado, Lígia Dias, informa que o cartão de crédito já é, de longe, o principal meio de pagamento usado pelos clientes da loja. De acordo com ela, a loja também já conta com seu cartão de crédito próprio, usado por cerca de 2 mil clientes.
A dona de casa Noemia Alves Silva também sempre usa o cartão de crédito para pagar suas compras de supermercado. Ela conta que só utiliza o dinheiro de plástico para comprar comida e que também já precisou parcelar as compras. “Hoje, tudo está mais caro. Quando o orçamento fica mais apertado, o jeito é parcelar.” Porém, Noemia reconhece que, no caso de parcelamento, o pagamento de juros na fatura é inevitável.
A maioria dos supermercados só parcela compras de produtos da linha branca e de vestuário. Portanto, se o consumidor quiser parcelar as compras de itens de mercearia, precisará arcar com os juros cobrados pela operadora do cartão.
O Moreira Card, cartão próprio do hipermercado Hiper Moreira, é utilizado por 60 mil clientes da loja. O gestor de Relacionamento do cartão, Wasley Almeida, informa que a loja também não parcela compras de itens de mercearia. Porém, muitos clientes acabam pagando somente o valor mínimo da fatura para continuar comprando, enquanto o limite disponível permitir. O número de usuários do cartão é crescente e a taxa de inadimplência é a mesma do mercado em geral: cerca de 6%.
Descontrole
O perigo do parcelamento de compras, independente do produto, é um futuro descontrole do orçamento. O economista e consultor de finanças pessoais Marcus Antônio Teodoro, autor do livro Erros e acertos na gestão do dinheiro, lembra que o cartão é muito bom quando a pessoa não tem dinheiro para pagar à vista e não pode ficar sem aquele produto, como os alimentos. “É melhor do que usar o cheque especial”.
Contudo, é preciso fugir dos juros do cartão. Para isso, é melhor evitar os parcelamentos com juros e sempre pagar o valor integral da fatura, pois o risco de perder o controle das contas é grande. Vale lembrar que os juros mensais do cartão podem passar dos 15%. Para o economista, é comum parcelar bens duráveis, como móveis e eletrônicos, que duram anos, mas ele alerta para o risco de parcelar alimentos. “Chega uma hora em que você estará pagando uma coisa que já comeu há três meses atrás”, adverte.
Além disso, é preciso lembrar que a pessoa precisa comprar alimentos todo mês, portanto a dívida corre o risco de virar uma bola de neve, com o acúmulo de prestações. O mesmo acontece com o parcelamento de combustíveis, por exemplo. A gasolina já acabou há meses e a pessoa continua pagando, além de precisar abastecer sempre.
Marcus Antônio Teodoro lembra que essa é uma estratégia do comércio para manter o consumo aquecido, principalmente em tempos de crise. “É melhor ter algo para receber do que não vender nada”, lembra. Para ele, o que mais tem atraído o consumidor é a facilidade do parcelamento no cartão, que não exige nenhuma análise de crédito. “Além disso, as lojas também antecipam recebíveis pagando juros menores”.
Fonte: Jornal O Popular