Mesmo sob fogo cruzado do governo desde 2010, o setor de cartões ainda é um dos mais rentáveis da economia, com 37% de rentabilidade bruta anual. O lucro bruto das operações de emissão e credenciamento segue em trajetória ascendente. O indicador tem avançado a taxas reais médias de 13% ao ano desde 2005, alcançando R$ 14,5 bilhões em 2011. O lado menos brilhante dessa história é que, no mesmo período, o resultado da indústria não avançou na mesma velocidade com que cresceram as transações com o meio de pagamento, movimento impulsionado pela inserção de novos consumidores no sistema financeiro formal.
O maior descompasso ocorre entre a expansão dos volumes processados e as receitas brutas dos bancos emissores. Em 2005, as receitas dos emissores representavam 7% do valor total das transações em cartões. Em trajetória decrescente ano a ano, em 2011 essa parcela representava 4,9%. Os dados estão em levantamento feito pela Boanerges & Associados para o Valor, com base em informações do Banco Central. Os valores foram corrigidos pela consultoria pelo IPCA e abrangem o período em que o BC começou a agrupar os dados sobre o setor.
"É um efeito da descida dos bancos para a base da pirâmide social", avalia Boanerges Ramos Freire, sócio da consultoria. "O risco de crédito desse consumidor é maior, o que aumenta a inadimplência. Ele também compra menos e paga tarifas de anuidade menores." O avanço do parcelamento sem juros no cartão durante o período também foi outro ponto que diminuiu a rentabilidade financeira do cartão para os bancos que emitem os plásticos para seus clientes.
O comportamento da receita financeira que os bancos têm com cartões mostra essa correlação. Embora a receita financeira bruta dos emissores tenha mostrado avanço significativo desde 2005, passando de R$ 10,8 bilhões para R$ 22,9 bilhões em 2011, as perdas com a inadimplência saíram de R$ 2,3 bilhões para R$ 10,8 bilhões no mesmo período. Isso fez com que a receita financeira líquida tivesse variação menor, de R$ 8,5 bilhões para R$ 12,2 bilhões, em igual intervalo de comparação.
Longe de apenas teórica, essa constatação tem dado o tom das principais discussões envolvendo cartões neste ano. É o caso, por exemplo, da diminuição do apetite de bancos pelas parcerias com o varejo. O Itaú Unibanco desfez cerca de 300 acordos com lojistas desde o fim de 2010. Entre os motivos citados por interlocutores do banco está justamente o custo do cliente que vinha com essa parceria: ele usava pouco o cartão, tinha uma qualidade de crédito pior e era muitas vezes isento de anuidade, um incentivo do lojista.
Se a bancarização trouxe pressão sobre as receitas financeiras de emissores, para os credenciadores de estabelecimentos, como Cielo e Redecard, o impacto negativo veio da abertura do mercado de cartões, em julho de 2010 - quando a Cielo deixou de ser credenciadora exclusiva da Visa e a Redecard, da MasterCard. Tanto que o lucro das empresas de credenciamento permaneceu praticamente estável entre 2009 e 2011, encerrando o ano passado em R$ 4,5 bilhões.
"A abertura não foi um divisor de águas em termos de lucratividade para o mercado, mas afetou as taxas de desconto (o valor cobrado do lojista por transação) e as receitas com aluguel de máquinas POS", afirma Boanerges. Em 2009, a taxa de desconto líquida cobrada do lojista representava 1,4% do valor das transações e as receitas com aluguel, 0,5%. Em 2011, os percentuais haviam caído para 1,2% e 0,3%, respectivamente.
No caso da taxa de desconto, além da pressão da concorrência pós-abertura, o avanço de transações com cartão de débito, que têm taxas naturalmente menores, impactou essa receita. As bandeiras de cartões também vêm mudando a distribuição da taxa cobrada dos lojistas para melhor remunerar os bancos, em detrimento das credenciadoras. O poder de negociação das grandes redes de varejo, intensificado com o fim do monopólio de captura, pressionou a taxa.
Fonte: Valor Econômico